terça-feira, 3 de setembro de 2013

UTMB 2013


O UTMB era a minha prova de sonho. 
Durante muitos anos desejei poder estar presente na partida em Chamonix. Finalmente, em 2013, consegui esse objectivo. Para trás, tinham ficado muitos quilómetros para conquistar os pontos necessários e muitos mais em preparação. Cheguei à partida na minha melhor forma de sempre, para o maior desafio da minha vida desportiva.
A dureza da prova é extrema, com subidas terríveis, seguidas de descidas intermináveis, umas atrás das outras sem espaço e tempo para recuperar. É uma prova em que todos os factores se têm que conjugar favoravelmente para se chegar ao fim.
Comecei a um ritmo tranquilo e fiz a primeira subida dentro da normalidade. Na subida seguinte, ao Col du Bonhomme, a partir dos 1.900 m, comecei a ter dificuldades de adaptação à altitude, que se tornavam muito fortes a partir dos 2.200 m. Dores fortes no peito, algumas tonturas e perda de força nas pernas. Ia sendo ultrapassado por muitos atletas, incluindo no início das descidas. Só quando voltava a descer para os 2.100/2.000 m de altitude é que melhorava e conseguia imprimir um ritmo que me permitia até recuperar algumas das posições perdidas. Na subida ao Col de la Seigne os sintomas ainda agravaram, começando a ficar muito nauseado. A partir desse momento, mal consegui comer. Sabia que era essencial alimentar-me, senão perderia a força, pelo que forcei-me a ingerir, durante 1h10, 3/4 de uma barra energética (foi o possível). Em Courmayeur, encontrei a Glória e o Luís Serrazina e com eles saí do abastecimento. Ainda os acompanhei nos quilómetros iniciais da subida, mas fui gradualmente perdendo o seu rasto. Com a aproximação aos 2.000 m de altitude, os sintomas regressaram, mas desta vez, encontrando-me muito mais debilitado (pela falta de alimento e pelo acumular de quilómetros). No Refúgio Bertone, optei por parar um pouco e procurar recuperar. Quando regressei aos trilhos, senti muito frio (tinha arrefecido completamente), apesar de a temperatura ter subido, pois o dia já tinha nascido. Apercebi-me e reagi a tempo, utilizando toda a roupa que levava. Consegui aquecer, pelo que escapei a ter entrado em hipotermia por muito pouco. Continuava sem força e muito agoniado. Quando cheguei ao refúgio Bonatti, procurei alimentar-me (não consegui) e descansar um pouco. Nova paragem longa. Começo a ter praticamente a certeza de que não estou em condições para chegar ao fim da prova. Prossigo até Arnuva, mas no caminho, para além do estado de fraqueza geral, noto que começo a andar aos “esses”. Estou a mais de 2.000 m de altitude, em trilhos que em média têm 60/80 cm de largura e o risco de uma queda com consequências graves é bem real. Tomo a decisão mais dura possível: a de adiar um sonho, a de abandonar a prova em Arnuva. Nas horas seguintes, nos dias seguintes, regresso a essa decisão vezes e vezes sem conta, e continuo plenamente convencido de que prosseguir teria sido correr um risco enorme para uma probabilidade quase nula de chegar ao fim da prova. Desta vez, a montanha venceu.
Foi uma experiência inacreditável, muito difícil de descrever, o ambiente todo que se vive à volta da prova, o apoio de toda a população da zona, a enorme eficácia de uma máquina organizativa gigantesca, mas muito bem oleada e a montanha… a montanha no seu estado puro, em toda a sua dureza, mas também em toda a sua beleza. Apesar da decepção de não ter chegado ao fim, não deixará de ser o ponto alto da época desportiva. Regressarei! Não sei se já em 2014, se em 2015 ou mais tarde, mas regressarei para novo combate com a montanha. A ideia que tinha antes de lá ter estado, saiu reforçada: esta é a prova em que qualquer ultratrailer deve querer estar na partida. Acabei com quase 100 quilómetros percorridos e mais de 10.000 m de desnível acumulado. O UTMB continua a ser a minha prova de sonho!

Agradeço o enorme apoio que fui recebendo, antes, durante e após a prova. Muito obrigado a todos!


Próximo desafio:  Grande Trail Serra d’Arga 

4 comentários:

  1. Força Ricardo, pelo que descreveste tomaste a decisão correta. Ninguém gosta de desistir, e logo numa prova que é o sonho de qualquer atleta. Mas estiveste na partida, e tentaste com todas as tuas forças. Por isso, deves ficar orgulhoso. Para a próxima vences a montanha. Abraço e boa recuperação.

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  2. Ricardo, acho que foste muito lúcido. O difícil é e sempre será tomar aquela decisão que não queremos tomar. Acho que sais mais forte desta prova. Naturalmente que ainda não o sentes, mas o teu primeiro UTMB e a decisão de o abandonares fazem hoje de ti um corredor de longa distância muito mais completo. Um abraço de grande respeito.

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  3. Grande Ricardo. Irás concerteza concretizar esse grande sonho. A decisão difícil que tomaste foi a melhor, o que revela bem o Homem que és.

    Grande abraço deste Amigo

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  4. Muitas vezes só ouvimos as histórias de sucesso, de pessoas que ultrapassaram as dificuldades e chegaram ao fim. É muito importante ouvir a outra realidade, como este teu caso, para que todos tenhamos a noção das dificuldades de uma prova destas, que isto não é brincadeira nenhuma, e que por muita preparação que tenhamos existem pormenores que fazem toda a diferença. Muitos parabéns pela decisão sempre difícil de abandonar uma prova destas, o teu sonho fica apenas adiado...o meu respeito...desta vez a montanha levou a melhor, mas ela lá está à tua espera, para que numa próxima a consigas conquistar completamente.
    Obrigado pela partilha da tua experiência.
    Abraço

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