Sexta-feira de manhã acordei e decidi que queria ir ao Porto fazer a maratona. Não estava inscrito, pelo que não tinha nem viagem, nem estadia programada. Agarrei-me ao telefone e pelas 10h tinha a viagem reservada, pelas 12h tinha o alojamento acertado, pelas 20h30 garantia um dorsal e finalmente, às 22h assegurei o segundo dorsal!
À Ana Pereira,
ao Jorge Mimoso, ao Álvaro Pinto e ao Rui Silva o meu agradecimento.
Escusado será
dizer, que não me tinha preparado, tinha feito treino de séries na 5ªf ao final
do dia e tinha apenas 15 dias de recuperação da Ultima Frontera. Não fazia
ideia do que me esperava. Na noite de véspera ainda não tinha decidido se iria
apenas treinar, se iria colocar alguma intensidade. Optei por decidir antes da
prova. Inicio o aquecimento e os sinais são positivos, a adrenalina corre-me
nas veias e tenho uma enorme vontade de correr. É dada a partida e estabilizo
num ritmo confortável, com passagem aos 10 quilómetros um pouco abaixo dos 42
minutos. As sensações são boas, mas a prova ainda não começou. Decido continuar
naquele ritmo e esperar que o cansaço me ataque o mais tarde possível; tenho
quase a certeza de que vou sofrer nos últimos quilómetros. A passagem aos 20
quilómetros confirma a constância do ritmo que levo, na casa da 1h23. À meia
maratona confirmo 1h28h31 e preparo-me mentalmente para o que vem. Agora sim, vai
começar a maratona, já tendo por companhia o rio Douro e uma belíssima paisagem.
Ainda corremos no Porto, com um sol que faz sentir a sua presença, elevando a
temperatura. Recordo que não levo absolutamente nada, pois pensava que seria um
treino e até aos 20 quilómetros apenas existe água.
Passo pela
Ribeira e por um mercado de rua, chego à Ponte D. Luís e atravesso para Gaia.
Já desse lado do rio, cruzo-me com os primeiros atletas, um trio constituído
por 2 atletas quenianos e o Rui Pedro Silva. Faço o trajecto de Gaia já à
sombra, o que é uma boa notícia, até à viragem na Afurada, creio que próximo dos
27 quilómetros. No regresso, começo a cruzar-me com muitos conhecidos e praticamente
não consigo fazer 20 metros, sem que oiça alguém gritar o meu nome a dar-me
força (a muitos identifiquei e tentei responder, aos que não consegui o meu
obrigado). Sinto-me bem e com tanto apoio, acabo por me entusiasmar e estico
demasiado o ritmo. Faço cerca de 3 quilómetros sempre abaixo dos 4 minutos.
Passo os 30 quilómetros, com 2h07, e sigo novamente para a ponte D. Luís,
regressando ao Porto. Viro na direcção do Freixo até fazer a inversão da
trajectória que nos coloca na direcção da Foz. Começo a sentir um grande
desgaste muscular, o gémeo e o posterior esquerdo latejam. Tento resistir à
tentação de abrandar, o que vou conseguindo com algum esforço. Chego ao
quilómetro 35 e estou a começar em entrar em falência muscular de uma forma
generalizada, o corpo quer desligar mas a mente obriga-o a continuar a lutar, o
meu cérebro cristaliza numa imagem e será essa preciosa imagem que me levará até
à meta. É ela que me atenua as dores, que no meio de uma espiral de desânimo, me
traz a esperança e a confiança. Prossigo até ao quilómetro 40, já em perda, mas
ainda com a possibilidade de alcançar um tempo abaixo das 3 horas. À passagem
do 40º quilómetro, encontro outra grande ajuda, o Carlos Henriques está à minha
espera e tenta puxar por mim, mas já não tenho pernas, apenas um esqueleto
cheio de dores musculares, as cãibras atacam no gémeo e no posterior esquerdo e
obrigam-me a parar. Alongo o melhor possível e tento prosseguir, mas não
consigo impor uma passada forte, sem que tenha novamente ameaças. Vou
gradualmente aumentando o ritmo, mas apenas me consigo arrastar penosamente até
à meta. Concentro o olhar nos pés do Carlos que segue à minha frente a marcar
ritmo; sem ele, teria demorado mais a chegar à meta (obrigado Carlos!). A
paragem terá custado bem mais de 1 minuto, pelo que já sabia que não conseguiria
baixar das 3horas. Acabo por cortar a meta com o tempo de 3h02h55s.
Terminou assim a
minha 17ª maratona de estrada, com o melhor tempo que realizei em território
nacional, mas com a certeza de que se a tivesse preparado minimamente e tivesse
mais uma semana de descanso dos 166 quilómetros da Ultima Frontera, teria
descido uns largos minutos.
Regresso do
Porto muito satisfeito, com a certeza de ter tomado a opção correcta quando
decidi voltar a fazer a melhor maratona que se realiza em Portugal. Foi um
acontecimento totalmente inesperado, mas são normalmente estas surpresas que a
vida nos traz que acabam por ser as mais saborosas.