O UTMB era a minha prova de
sonho.
Durante muitos anos desejei poder estar presente na partida em Chamonix.
Finalmente, em 2013, consegui esse objectivo. Para trás, tinham ficado muitos
quilómetros para conquistar os pontos necessários e muitos mais em preparação.
Cheguei à partida na minha melhor forma de sempre, para o maior desafio da
minha vida desportiva.
A dureza da prova é extrema, com
subidas terríveis, seguidas de descidas intermináveis, umas atrás das outras
sem espaço e tempo para recuperar. É uma prova em que todos os factores se têm
que conjugar favoravelmente para se chegar ao fim.
Comecei a um ritmo tranquilo e
fiz a primeira subida dentro da normalidade. Na subida seguinte, ao Col du Bonhomme,
a partir dos 1.900 m, comecei a ter dificuldades de adaptação à altitude, que
se tornavam muito fortes a partir dos 2.200 m. Dores fortes no peito, algumas
tonturas e perda de força nas pernas. Ia sendo ultrapassado por muitos atletas,
incluindo no início das descidas. Só quando voltava a descer para os
2.100/2.000 m de altitude é que melhorava e conseguia imprimir um ritmo que me
permitia até recuperar algumas das posições perdidas. Na subida ao Col de la
Seigne os sintomas ainda agravaram, começando a ficar muito nauseado. A partir
desse momento, mal consegui comer. Sabia que era essencial alimentar-me, senão
perderia a força, pelo que forcei-me a ingerir, durante 1h10, 3/4 de uma barra
energética (foi o possível). Em Courmayeur, encontrei a Glória e o Luís
Serrazina e com eles saí do abastecimento. Ainda os acompanhei nos quilómetros
iniciais da subida, mas fui gradualmente perdendo o seu rasto. Com a
aproximação aos 2.000 m de altitude, os sintomas regressaram, mas desta vez,
encontrando-me muito mais debilitado (pela falta de alimento e pelo acumular de
quilómetros). No Refúgio Bertone, optei por parar um pouco e procurar
recuperar. Quando regressei aos trilhos, senti muito frio (tinha arrefecido
completamente), apesar de a temperatura ter subido, pois o dia já tinha
nascido. Apercebi-me e reagi a tempo, utilizando toda a roupa que levava.
Consegui aquecer, pelo que escapei a ter entrado em hipotermia por muito pouco.
Continuava sem força e muito agoniado. Quando cheguei ao refúgio Bonatti,
procurei alimentar-me (não consegui) e descansar um pouco. Nova paragem longa.
Começo a ter praticamente a certeza de que não estou em condições para chegar
ao fim da prova. Prossigo até Arnuva, mas no caminho, para além do estado de
fraqueza geral, noto que começo a andar aos “esses”. Estou a mais de 2.000 m de
altitude, em trilhos que em média têm 60/80 cm de largura e o risco de uma
queda com consequências graves é bem real. Tomo a decisão mais dura possível: a
de adiar um sonho, a de abandonar a prova em Arnuva. Nas horas seguintes, nos
dias seguintes, regresso a essa decisão vezes e vezes sem conta, e continuo
plenamente convencido de que prosseguir teria sido correr um risco enorme para
uma probabilidade quase nula de chegar ao fim da prova. Desta vez, a montanha
venceu.
Foi uma experiência
inacreditável, muito difícil de descrever, o ambiente todo que se vive à volta
da prova, o apoio de toda a população da zona, a enorme eficácia de uma máquina
organizativa gigantesca, mas muito bem oleada e a montanha… a montanha no seu
estado puro, em toda a sua dureza, mas também em toda a sua beleza. Apesar da
decepção de não ter chegado ao fim, não deixará de ser o ponto alto da época
desportiva. Regressarei! Não sei se já em 2014, se em 2015 ou mais tarde, mas
regressarei para novo combate com a montanha. A ideia que tinha antes de lá ter
estado, saiu reforçada: esta é a prova em que qualquer ultratrailer deve querer
estar na partida. Acabei com quase 100 quilómetros percorridos e mais de 10.000
m de desnível acumulado. O UTMB continua a ser a minha prova de sonho!
Agradeço o enorme apoio que fui
recebendo, antes, durante e após a prova. Muito obrigado a todos!
Próximo desafio: Grande Trail Serra d’Arga