UTSM - À chegada! |
2ªf - Treino de bicicleta de 30’,
seguido de sessão de reforço muscular.
3ªf - Treino lento de 50‘, pela
primeira vez sem dores na perna.
4ªf - Novo treino de bicicleta,
com o objectivo de recuperar totalmente o músculo lesionado. Foram apenas 30‘.
5ªf - Novo treino de corrida, de
40’, sem qualquer sinal na perna. Cresce o optimismo para o UTSM. De qualquer
forma, só com o acumular de quilómetros é que terei a confirmação da
recuperação total ou não.
6ªf - Preparação do material e
viagem para Portalegre.
Sábado
– E pelas 0:00 deu-se a contagem decrescente e a partida para o Ultra Trail da
Serra de São Mamede (UTSM). Com alguma apreensão, iniciei a prova um ritmo
relativamente baixo, procurando “sentir” a minha perna esquerda. O objectivo
principal era concluir a prova, o que a acontecer seria a 10ª vez em que
ultrapassava a mítica barreira dos 100 quilómetros. Primeiros quilómetros e
nenhum sinal ou sensação estranha, portanto continuei a rolar descontraidamente.
À parte de alguns troços em que temos que atravessar uns cursos de água, o
terreno é fácil de progredir e assim alcanço o primeiro abastecimento (PAC),
por volta dos 10 quilómetros de prova. Continuo até ao segundo abastecimento,
já aos 17 quilómetros, sempre com progressão bastante fácil. A grande
preocupação é controlar o ritmo de corrida, pois se corremos ao ritmo que o
corpo nos pede, mais tarde pagaremos a ousadia. Chego ao 2º PAC sem sentir
qualquer desconforto na perna, isso anima-me e faz-me começar a acreditar que a
lesão possa estar definitivamente debelada. A partir deste ponto, começa a
ascensão até ao ponto mais alto da prova, as Antenas no topo da Serra de São Mamede.
Sei que tenho que me poupar, sei que a prova só começará verdadeiramente após
Marvão, por volta dos 60 quilómetros. Estou à espera de ter uma quebra grande
por volta dessa distância, pois a lesão atrasou muito a minha preparação e
chego quase sem treinos longos, mas também conto com a minha gestão de esforço
e a experiência acumulada. Até Marvão, o objectivo é chegar com o menor
desgaste possível. Subo parcialmente a subida a andar, intercalando com corrida
sempre que o terreno tem um desnível menor. As condições climatéricas são as
esperadas, bastante frio e muito, muito nevoeiro. Eu dou-me bem com o frio,
pelo que não conto ter qualquer problema, vou devidamente equipado, o que para
as minhas características quer dizer levar apenas um corta-vento leve e umas
luvas fininhas (eu sei que a maioria congelaria, mas eu sou um aquecedor
ambulante). Quanto ao nevoeiro, dificulta bastante a navegação, pelo que exige
concentração na visualização dos reflectores colocados nas fitas sinalizadoras.
Felizmente a prova estava magnificamente marcada, e vou encontrando o caminho,
embora quando incidia a luz parecia que os reflectores estavam longe, mas
quando passávamos verificávamos que estavam apenas a meia dúzia de metros. A
paisagem não é visível, mas sente-se. E corremos num ambiente mágico, de grande
beleza. A confiança vai aumentando, a perna não dá sinal, só por esse facto sinto
que já ganhei a corrida. Chego ao 3º PAC em simultâneo com o Jorge Serrazina,
que comenta (com a sua enorme experiência), “Isto não é sítio para parar muito
tempo, temos que descer rapidamente”. A temperatura estaria perto dos 0º e o
muito vento que se fazia sentir transformava-a numa temperatura aparente
negativa. Creio que o facto de permanecerem muito tempo naquele abastecimento,
acabou por provocar a desistência de muitos atletas por hipotermia, mas é
difícil tomar sempre as decisões correctas e apetecia descansar um bocadinho,
pois a distância entre o 2º e o 3º PAC era a maior de toda a prova e, além
disso, após um longo esforço de subida. Comi e hidratei-me o mais rapidamente
possível, dando razão interiormente às palavras do Jorge, mas mesmo assim não fui
suficientemente rápido para o acompanhar. Ainda gritei “Jorge, espera por mim,
que eu também vou!” mas ele não ouviu, pois o vento era muito. Decidi então
acelerar para o apanhar, mas entramos num down-hill, algo técnico, de noite e
com bastante nevoeiro. Começo a duvidar que consiga apanhar o Jorge, num
terreno em que ele é mestre, mas não desisto e vou descendo o mais rapidamente
que consigo. Estranhamente, verifico que a distância entre nós se vai mantendo,
ganho ainda mais confiança, pois não sinto qualquer desconforto na perna e
estou a descer ao mesmo ritmo de um dos atletas mais rápidos a descer em terreno
técnico. Aperto ainda mais o ritmo e antes de chegar ao final apanho o Jorge.
No final do down hill, encontramos o Vítor Coelho, queixa-se que o frontal dele
aquece e apaga-se, pelo que está a ir muito lento. Ofereço-me para lhe
emprestar um segundo frontal que levo de segurança, mas ele prefere ir à boleia
do meu frontal. Continuamos a descer, pelo meio muitas pedras e paus soltos.
Mesmo de noite, a paisagem é bonita, no meio de muita vegetação. Atrás de mim
lá segue o Vítor, que me avisa: “Por favor não caias, senão eu caio em cima de
ti, só vou a seguir os reflectores dos teus ténis e não dá para travar a tempo”.
Começamos a desejar que nasça o dia, para facilitar a navegação, pois torna-se
bastante desgastante estar sempre a fugir aos obstáculos (ramos, pedras, buracos,
etc) mesmo em cima deles. Alcançamos o PAC 4 e o PAC 5. Já percorremos metade
da prova, cerca de 50 quilómetros e já tenho a certeza que a lesão está
ultrapassada, pois continuo sem sentir qualquer sinal da perna. Nesta altura,
começa a nascer o dia e o Vítor queixa-se de um pé. Sei que nos espera a
difícil subida para Marvão, mas o terreno ainda é de fácil progressão e o ritmo
é elevado. O Jorge acaba por se afastar e eu também descolo do Vítor. Com o
nascer do dia, já não tem necessidade da minha luz, e eu acabo por ficar
sozinho. Distraio-me a responder a algumas mensagens e com o sol no horizonte
pela frente, acabo por me perder 2 vezes. Tudo sem grandes consequências, pois
assim que deixo de ver fitas, volto para trás. No total, devo ter perdido
apenas cerca de 500 metros. Na última vez que me perco, quando regresso,
encontro novamente o Vítor, mas ele vem com algumas dificuldades. Ainda
corremos alguns metros juntos, até chegar ao rio que temos que atravessar para
dar início à subida para Marvão. A partir daí deixo de o ver até que ele chegue
à meta.
A
subida é dura, nesta fase dá-me sonolência, o pensamento vagueia, as imagens
mais estranhas aparecem-me, mas continuo a subir. Sei que o troço final é
terrível, pois ficou-me na memória no ano passado. Quando lá chego, confirmo
que a memória não me atraiçoou, é mesmo muito duro. Entro na porta da muralha e
começo a descer já dentro de Marvão. Chego ao PAC 6, onde se pode deixar uma
mochila. Por segurança, levei roupa de substituição e outro par de ténis, mas
estou bem, não preciso de nada e apenas me preocupo em alimentar-me e recuperar
um pouco da subida. Como a sopa quente, repito. Sabe-me bem. Fico contente por
estar com fome, por estar a comer sempre em todos os PAC, pois costumo ter
algumas dificuldades em alimentar-me em prova. Sei que a alimentação é
fundamental para manter a energia. Saio do PAC, sozinho e assim será por muitos
quilómetros. Desço a calçada romana com bastante rapidez, ultrapasso alguns
atletas e começo a pensar no próximo ponto importante: Castelo de Vide. Até lá,
ainda temos que alcançar o PAC 7 (aos 70 quilómetros) e depois desse ponto, a
subida até à capela da Senhora da Penha. Faço esse trajecto totalmente em
solitário, mas vou forte, estou a manter um ritmo razoável. Chegada à Senhora
da Penha e dada a volta à capela, desço umas fragas com a ajuda de algumas
cordas. A preocupação é a segurança, é não me lesionar na descida, pois já
estou com quase 80 quilómetros nas pernas e a destreza já não é a mesma do
início. Após a descida, está o PAC 8, o antepenúltiplo. Aqui sinto, que salvo
algum acidente, terminarei a prova, melhor ou pior, pois faltam apenas 23
quilómetros.
Sei
que de seguida tenho uma parte do percurso bastante fácil, em que primeiro se
desce durante alguns quilómetros e depois se anda em plano, sempre com terreno
favorável. Apanho o Pedro Basso, que me diz que está com dificuldades. Está
muito enjoado e não se consegue alimentar, pelo que não tem energia. Decidimos
seguir juntos e tentamos manter um ritmo constante de corrida. Aproveitamos
para descansar, caminhando, quando aparece alguma subida. Estes quilómetros
passam rapidamente e temos pela frente a penúltima grande subida, subida esta
bastante dura, em que o desgaste já é muito. Alcançamos o topo da subida e
descemos um pouco até ao PAC 9, onde o Pedro se senta exausto numa cadeira.
Também me sento ao lado, mas já com dois bocados de pizza na mão. O Pedro
continua sem conseguir comer, por isso decido comer pelos dois. Não sei quantos
bocados de pizza comi, mas foram bastantes. Estamos com 89 quilómetros, pelo
que faltam pouco mais de 11 quilómetros para a meta. Consulto o track que
carreguei no meu garmin, e confirma-me essa informação. Os PACs têm estado
sempre nos quilómetros em que estavam anunciados. O meu desvio, pois já acuso
mais de 90 quilómetros feitos, deve-se às centenas de metros que fiz a mais
pelas 2 vezes em que me perdi.
Reiniciamos
a corrida, já com o pensamento em chegar ao último PAC. Primeiro uma longa
descida, em que o terreno, sobretudo a muita pedra existente, começa a fazer
estragos, sobretudo nos quadríceps, até que vemos escrito no chão “Última
Subida”. Foi a última, mas foi dura. O Pedro anda mais rápido que eu, pelo que
para o acompanhar tenho que correr alguns bocados na subida, estranhamente
consigo fazê-lo com facilidade. Se fosse sozinho teria subido ainda mais a
correr. Vou avançando aos esticões, dou uma corridinha até ganhar alguns metros
ao Pedro, começo a andar, ele apanha-me, ultrapassa-me e ganha uns metros, eu
reinicio a corrida até lhe ganhar novamente uns metros. E assim chegamos ao fim
da subida, onde apanhamos um caminho de terra batida que nos levará à Senhora
da Penha (já era a segunda!), mas desta feita de Portalegre. A descida é
bastante acentuada e muscularmente desgastante, mas já começa a cheirar a meta.
Já vemos Portalegre! Paragem muito rápida no último PAC (o 10º) e início da
descida de uma escadaria enorme. Apesar das dificuldades, o Pedro acompanha-me e
descemos a escadaria a um ritmo impressionante, ultrapassando alguns atletas da
maratona e dos 24 quilómetros. Enquanto descemos ainda oiço “Olha como estes
descem… e ainda por cima são dos 100…”.
Faltam
apenas 5 quilómetros em terreno bastante plano e rápido. Conseguimos imprimir
um bom ritmo, atendendo aos quilómetros que levamos nas pernas. Aproximamo-nos
do estádio, mas antes ainda temos que saltar uma vala. Lá saltamos como podemos
e seguimos para o estádio, volta quase completa e chegada à meta. Tinha
atingido pela 10ª vez a marca dos 100 quilómetros!
Cheguei
com muita força, desgastado, mas com a sensação de que poderia fazer bastantes
mais quilómetros, sem qualquer mazela, sem uma única bolha nos pés.
Comentários
à prova e mais concretamente à organização: A prova é simplesmente excelente!
Percurso muito bonito, muito bem marcado, abastecimentos de luxo, muita
simpatia e um contingente enorme de voluntários. Fiz a edição inicial, da qual só
não gostei do final, aspecto este que foi alterado para melhor nesta edição.
Conto estar para o ano em Portalegre.
Tempo:
13h47m18s
Classificação:
30º da geral
Distância
total: 102,0 kms
Excelente prova e relato. Parabéns por mais uma campeão. Foi como se estivesse a rever a minha prova em fast forwatd :) abraço
ResponderExcluirGrande prestação, grande relato mas, o mais importante, a lesão já era!
ResponderExcluirUm abraço.