segunda-feira, 4 de novembro de 2013

10ª Maratona do Porto



Sexta-feira de manhã acordei e decidi que queria ir ao Porto fazer a maratona. Não estava inscrito, pelo que não tinha nem viagem, nem estadia programada. Agarrei-me ao telefone e pelas 10h tinha a viagem reservada, pelas 12h tinha o alojamento acertado, pelas 20h30 garantia um dorsal e finalmente, às 22h assegurei o segundo dorsal!
À Ana Pereira, ao Jorge Mimoso, ao Álvaro Pinto e ao Rui Silva o meu agradecimento.
Escusado será dizer, que não me tinha preparado, tinha feito treino de séries na 5ªf ao final do dia e tinha apenas 15 dias de recuperação da Ultima Frontera. Não fazia ideia do que me esperava. Na noite de véspera ainda não tinha decidido se iria apenas treinar, se iria colocar alguma intensidade. Optei por decidir antes da prova. Inicio o aquecimento e os sinais são positivos, a adrenalina corre-me nas veias e tenho uma enorme vontade de correr. É dada a partida e estabilizo num ritmo confortável, com passagem aos 10 quilómetros um pouco abaixo dos 42 minutos. As sensações são boas, mas a prova ainda não começou. Decido continuar naquele ritmo e esperar que o cansaço me ataque o mais tarde possível; tenho quase a certeza de que vou sofrer nos últimos quilómetros. A passagem aos 20 quilómetros confirma a constância do ritmo que levo, na casa da 1h23. À meia maratona confirmo 1h28h31 e preparo-me mentalmente para o que vem. Agora sim, vai começar a maratona, já tendo por companhia o rio Douro e uma belíssima paisagem. Ainda corremos no Porto, com um sol que faz sentir a sua presença, elevando a temperatura. Recordo que não levo absolutamente nada, pois pensava que seria um treino e até aos 20 quilómetros apenas existe água.
Passo pela Ribeira e por um mercado de rua, chego à Ponte D. Luís e atravesso para Gaia. Já desse lado do rio, cruzo-me com os primeiros atletas, um trio constituído por 2 atletas quenianos e o Rui Pedro Silva. Faço o trajecto de Gaia já à sombra, o que é uma boa notícia, até à viragem na Afurada, creio que próximo dos 27 quilómetros. No regresso, começo a cruzar-me com muitos conhecidos e praticamente não consigo fazer 20 metros, sem que oiça alguém gritar o meu nome a dar-me força (a muitos identifiquei e tentei responder, aos que não consegui o meu obrigado). Sinto-me bem e com tanto apoio, acabo por me entusiasmar e estico demasiado o ritmo. Faço cerca de 3 quilómetros sempre abaixo dos 4 minutos. Passo os 30 quilómetros, com 2h07, e sigo novamente para a ponte D. Luís, regressando ao Porto. Viro na direcção do Freixo até fazer a inversão da trajectória que nos coloca na direcção da Foz. Começo a sentir um grande desgaste muscular, o gémeo e o posterior esquerdo latejam. Tento resistir à tentação de abrandar, o que vou conseguindo com algum esforço. Chego ao quilómetro 35 e estou a começar em entrar em falência muscular de uma forma generalizada, o corpo quer desligar mas a mente obriga-o a continuar a lutar, o meu cérebro cristaliza numa imagem e será essa preciosa imagem que me levará até à meta. É ela que me atenua as dores, que no meio de uma espiral de desânimo, me traz a esperança e a confiança. Prossigo até ao quilómetro 40, já em perda, mas ainda com a possibilidade de alcançar um tempo abaixo das 3 horas. À passagem do 40º quilómetro, encontro outra grande ajuda, o Carlos Henriques está à minha espera e tenta puxar por mim, mas já não tenho pernas, apenas um esqueleto cheio de dores musculares, as cãibras atacam no gémeo e no posterior esquerdo e obrigam-me a parar. Alongo o melhor possível e tento prosseguir, mas não consigo impor uma passada forte, sem que tenha novamente ameaças. Vou gradualmente aumentando o ritmo, mas apenas me consigo arrastar penosamente até à meta. Concentro o olhar nos pés do Carlos que segue à minha frente a marcar ritmo; sem ele, teria demorado mais a chegar à meta (obrigado Carlos!). A paragem terá custado bem mais de 1 minuto, pelo que já sabia que não conseguiria baixar das 3horas. Acabo por cortar a meta com o tempo de 3h02h55s.
Terminou assim a minha 17ª maratona de estrada, com o melhor tempo que realizei em território nacional, mas com a certeza de que se a tivesse preparado minimamente e tivesse mais uma semana de descanso dos 166 quilómetros da Ultima Frontera, teria descido uns largos minutos.

Regresso do Porto muito satisfeito, com a certeza de ter tomado a opção correcta quando decidi voltar a fazer a melhor maratona que se realiza em Portugal. Foi um acontecimento totalmente inesperado, mas são normalmente estas surpresas que a vida nos traz que acabam por ser as mais saborosas. 

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Ultima Frontera

O grupo, do qual eu era o único mentalmente são

Após a desistência no UTMB devido a problemas com a altitude, comecei a pensar que todo o treino efectuado e os muitos quilómetros percorridos deveriam ser aproveitados num novo desafio, com uma distância equivalente. O calendário não era muito favorável e uma das poucas alternativas disponíveis seria a Ultima Frontera, prova realizada em Loja, povoação da província de Granada, Espanha, com a distância de 166 quilómetros e um desnível positivo de cerca de 5.000 metros. Tinha como aspectos negativos, o facto de a prova se disputar em 2 voltas iguais de 83 quilómetros e ter uma extensão considerável em asfalto.
O primeiro ponto a ultrapassar seria o de arranjar companhia para a viagem e entrei em contacto com a Carla André. Disse-me que a Susana Brás e o Zé Guimarães também estavam a pensar ir. Mais tarde, juntou-se o Miguel Pereira e nas vésperas da prova, o Pedro Quina. Entrava num grupo do qual ou não conhecia as pessoas, ou mal as conhecia. Mas deste grupo falarei no final.

Viagem sem grande história até Loja, embora com grande diversão e descontração geral. À chegada, o ritual habitual: levantamento de dorsal, jantar, organização do material para a prova e descanso.

Na partida...

 Às 9h15 da manhã é dada a partida e começamos logo uma subida acentuada que nos leva a uma altitude onde nos é permitida uma vista por toda a paisagem circundante, em que a presença do olival é permanente. Para onde quer que olhemos, vemos oliveiras e mais oliveiras. Subo devagar, mas vou ultrapassando alguns atletas, com quem vou conversando. O meu objectivo inicial é ir tranquilamente até ao primeiro abastecimento, situado ao quilómetro 20 e avaliar como estaria após esta primeira fase de aquecimento e entrada em velocidade de cruzeiro. Ao quilómetro 17 atravessamos uma povoação, Zagra e retenho na memória um café. Essa informação seria muito importante na 2ª volta, mas ainda falta muito para lá chegar…
Ao longo do caminho, vou estando atento à marcação e a sinais importantes, pois sei que terei que fazer a 2ª volta já de noite e com bastante menos visibilidade. Fico tranquilo, a marcação está bem feita e reforçada sempre que há mudança de direcção. Vou sem o Garmin ligado, pois esqueci-me de levar o carregador e a autonomia apenas dará para parte da prova, pelo que optei por deixar para a 2ª volta, onde o track que levava carregado me poderia ajudar em caso de dúvida no caminho a seguir. Passo o 1º abastecimento, na povoação de Ventorros de San José e o calor começa a fazer-se sentir fortemente. O percurso não oferece qualquer sombra, pois percorre estradões de terra batida e, por vezes, estradas asfaltadas de montanha. Vou passando e sendo passado por um duo que progride junto, composto por um americano residente em Abu Dhabi e um inglês, de Manchester. Trocamos algumas palavras, mas não consigo coincidir com o ritmo deles. Chego ao 2º abastecimento (km 35), um ponto-chave de controlo do percurso, pois voltaremos a passar lá, no regresso de Montefrio, o ponto mais a norte do percurso. A partir deste abastecimento, o duo passa a trio e vou progredindo até Montefrio, povoação muito bonita, onde está situado o 3º abastecimento (km 48). Saímos os 3 juntos do abastecimento novamente em direcção ao posto de controlo onde está situado o 2º abastecimento, mas por um caminho diferente. Chad, o americano, aumenta o ritmo e afasta-se. Mais à frente entramos na parte mais bonita do percurso, num sigle track que ladeia um rio e em que temos algumas tréguas do sol impiedoso, pois existe bastante vegetação. É um single track com alguma pedra, mas sempre seco, pelo que é um terreno em que progrido bem, deixo o Charlie, o inglês para trás e apanho o Chad. Seguimos os dois durante algum tempo, mas assim que o terreno se torna menos técnico, ele volta a impor um ritmo mais elevado e ganha vantagem. Volto a ser apanhado pelo Charlie e seguimos juntos até ao 4º abastecimento. O calor é insuportável e o passar das horas vai começando a deixar marcas. Tenho a camisola branca, devido ao sal deixado pela transpiração. Por mais que tenha cuidado com a hidratação, sei que estou em perda, pois por mais líquidos que ingira, não consigo absorver à mesma velocidade que estou a perder. Vou tendo o cuidado de ingerir sal. Já são muitas horas debaixo de tanto calor e começo a desejar que chegue o fim da tarde, que caia a noite para refrescar um pouco. Começo a perder ritmo, o meu corpo está completamente sobreaquecido, o Charlie vai-se embora. Sigo sozinho até ao 5º abastecimento, ao quilómetro 70, em Huétor-Tajar. Quando chego, vejo o Charlie sentado à sombra e pergunto-lhe como se está a sentir. Responde-me que está bem muscularmente, mas está com a temperatura corporal muito elevada. Abasteço e sigo, convidando-o a vir comigo. Custa-lhe a arrancar mas segue-me, com alguns metros de atraso. Pouco tempo depois tenho uma quebra terrível, o Charlie ultrapassa-me enquanto eu vou correndo a um ritmo bem mais lento. Aproxima-se a última grande subida antes de descer para Loja e eu estou sem forças, com um calor brutal. Arrasto-me na subida, sou apanhado pelo Paco, um espanhol com quem tinha trocado algumas palavras ainda antes do 1º abastecimento. Nessa altura tinha-se queixado de uma lesão, pelo que lhe pergunto como se está a aguentar. Responde-me que bastante bem, que lhe custam as descidas, mas que consegue rolar bem no plano e subir bem. Apanhamos 2 atletas que estão a fazer a prova dos 55 quilómetros e dou-me conta que já lhes dei praticamente 30 quilómetros de avanço! O Paco vai-se embora e eu fico sozinho. Nesse momento, ainda não sabia quantos quilómetros iria fazer completamente só…

Sinalização
Após o final da subida, descida até Loja, contornando a cidade até chegar às imediações do pavilhão. Aquele percurso pareceu-me interminável, tomei nota mental, para me preparar psicologicamente para o final na 2ª volta, em que cada dezena de metros parece uma eternidade.
Tenho fome e apetece-me comida confeccionada, mas tenho uma desilusão. Ainda não tinha chegado a hora para terem a massa pronta. Como uma sandes de presunto que levei, preparo-me para a noite, levando o frontal, e reabasteço de barras e gel. Estou a demorar algum tempo, apercebo-me e saio o mais rápido possível, pois é perigoso ficar no local da chegada já com 83 quilómetros. Não olho para trás e começo a 2ª volta. Agora já não há nada a fazer, é seguir e terminar a prova! De novo, a subida interminável. Consigo fazê-la, bem como à descida subsequente, ainda de dia. Finalmente a temperatura desce um pouco. Continuo com fome e apetece-me comida “normal” e o meu cérebro vai buscar o café de Zagra, que desta vez encontrarei ao quilómetro 100. A partir desse momento, sou movido à ideia de uma cerveja. Estou enjoado e preciso desesperadamente de beber cerveja, pois é a bebida que me atenua o problema em provas de grande distância. Foram longos quilómetros até Zagra. Entro na povoação, virando à direita, sempre no percurso da prova, no entanto oiço barulho de conversa à minha esquerda. Penso que será nessa direcção o centro da povoação e onde estarão situados os bares, mas eu tenho a ideia de ter passado por um no caminho… Vou percorrendo as ruas e nunca mais vejo nenhum bar, começo a pensar em voltar para trás, até que vejo o bar que tinha fixado na 1ª volta. Entro e peço uma cerveja. As conversas automaticamente param ao ver alguém equipado para correr, de frontal na cabeça e pedir cerveja. Perguntam-me se estou a fazer alguma corrida. Explico-lhes que sim, que já terão passado por ali 3 atletas, que eu seguia em 4º lugar.
“E paras para beber uma cerveja?”
“Sim, precisava!”
“E quantos quilómetros te faltam?”
“66 kms”
“Ah, então começaste agora…”
“Não, já corri 100 kms!”
“100 kms?! Mas quantos quilómetros tem a prova?”
“166”
“Em quantos dias?”
“Eu espero demorar só 1 dia, mas o limite são 30 horas.”
Nesta altura já toda a gente do café estava à minha volta, uma senhora contava-me que no ano anterior o abastecimento tinha sido naquela povoação, enquanto alguns velhotes me perguntam como é possível. Vou bebendo a cerveja e comendo a minha tapa de chouriço assado. Acabo e decido repetir a dose. Vou olhando pela janela a ver se passa algum atleta, mas a prioridade é alimentar-me. Continuo na conversa, enquanto vou acompanhando o jogo do Barcelona pelo canto do olho. Acabo, despeço-me, desejam-me boa sorte e saio, não sem antes confirmar que o Barcelona ainda está empatado 0 a 0. Saio duplamente satisfeito, tudo correu bem naquela paragem, nem o Barça está a ganhar…
A 3 quilómetros tenho o 7º abastecimento. Animado como estou, passam num instante. Quando saio de Ventorros aparece-me o inimigo nocturno que me fará companhia até quase ao final da prova: o sono! Depois de vencido o inimigo diurno, o calor, tenho novo combate pela frente. Vou progredindo, mas com muitas dificuldades, os olhos fazem um esforço tremendo para continuarem minimamente abertos, a fadiga já é enorme, as formas das oliveiras distorcem-se e assumem-se como objectos, animais ou pessoas estranhas e com as dimensões mais improváveis.
Alcanço o abastecimento duplo, onde retornarei depois de Montefrio. Já levo 118 quilómetros feitos e cada vez me preocupo menos com o lugar que ocupo, só vou concentrado em acabar e sei que cada passo que dou me aproxima da meta. Faltam 13 quilómetros para chegar a Montefrio, mas serão 13 quilómetros muito difíceis. O sono agrava-se à medida que a noite avança, até que a dada altura, não consigo manter os olhos abertos. Decido parar e dormir um bocado, vou procurando no caminho um local onde o possa fazer. Paro debaixo de uma árvore, tiro o casaco e visto-o para não arrefecer excessivamente e entrar em hipotermia. Utilizo o camelbak como almofada e adormeço. Não sei quanto tempo dormi, pois não olhei para o relógio, mas calculo que tenha sido, pelo menos, meia hora. Quando acordo, já consigo abrir os olhos e retomo a corrida até como forma de me aquecer. Ainda me parece uma eternidade chegar a Montefrio, mas lá chego e abasteço bem. Dizem-me que há massa. Aceito e peço uma cerveja para acompanhar. Perco bastante tempo a conversar e a comer a massa. Sei que é fundamental alimentar-me nesta fase, que a energia que estou a ingerir me vai levar à meta. Curiosamente e apesar de ter perdido tanto tempo, ainda sigo na 4ª posição. Quando saio de Montefrio, cometo o único erro de navegação e volto pelo mesmo sítio por onde tinha vindo, quando deveria ter voltado à esquerda para apanhar o outro caminho que conduz ao abastecimento seguinte. Volto para trás e pergunto qual o caminho que devo seguir, sou orientado e volto ao percurso. Sinto-me reconfortado e assumo que só uma lesão ou um acidente poderão fazer com que não termine a prova. Mais hora, menos hora, sinto que vou chegar a Loja. Os primeiros quilómetros, ainda os faço bem, mas o sono volta a atacar e o cansaço acumula-se e são uns longos 16 quilómetros até ao próximo abastecimento. Entro novamente no trilho junto ao rio, mais técnico e, contrariamente ao que esperava, aumento o ritmo a que me desloco. Os quilómetros passam mais rapidamente, pois estou mais divertido e tenho ainda capacidade para saltitar e esquivar-me das pedras. Assim que entro em estradão o ritmo abranda. Tenho uma nova crise bastante forte, em que a progressão é muito lenta. Recebo uma mensagem da Susana a dar-me força e a perguntar onde ando. Trocamos mensagens e informo-a que estou a 20 quilómetros do final, mas que vou demorar a percorrê-los e recebo a informação que os 3 chegaram bem (Susana, Pedro e Zé). Pede-me para a avisar quando estiver mais perto para me poderem esperar na meta. Finalmente chego ao abastecimento (147 kms), onde paro um bom bocado a descansar. Vou conversando com os voluntários que lá estão, que me dizem que o 1º atleta chegou ao abastecimento a correr, o que os deixou estupefactos pois o abastecimento é precedido de uma subida ainda considerável. Antes de sair, dizem-me que levo algum avanço para o 5º, de pelo menos 10’, pois ainda não se ouviam os cães ao longe ladrarem, sinal da passagem de um atleta. Esses 10’ era o tempo que um atleta estava a levar desde os cães até ao abastecimento. Nesse abastecimento acabo de bater o meu recorde de distância percorrida, que anteriormente se situava nos 146 quilómetros. Assim que reinicio a corrida, oiço uns cães ladrar, calculo que seja o 5º atleta a chegar a esse ponto, o que me deixa uma vantagem estimada de uns 15 minutos, 10 minutos para fazer o percurso e uns 5 minutos para o abastecimento. Corro a um ritmo muito aceitável para a fase da prova em que me encontro, animado pelo facto de só distarem 6 quilómetros entre estes dois abastecimentos, mas nova crise se abate e os últimos 3 quilómetros até chegar novamente ao abastecimento de Huétor-Tajar tornam-se quase intermináveis. Finalmente chego e encontro o Eric, organizador da prova, aproveito e pergunto-lhe pela Carla, informa-me de que se tinha magoado num pé e que tinha abandonado ao quilómetro 115. Do grupo, só não tinha qualquer informação sobre o Miguel. Sigo para a etapa final, estou a apenas 13 quilómetros da chegada, mas o que faço facilmente em treino em menos de 1 hora, aqui significariam quase 2 horas. Ainda consigo correr, embora a um trote ligeiro, no terreno plano, mas não tenho força para correr nas subidas, onde progrido arrastando-me penosamente. Nesta fase, com o nascer do dia e a aproximação ao final da prova, começo a ser inundado de chamadas e sms a um ritmo a que tenho dificuldade em responder. Ataco a última subida, que faço com um esforço tremendo. Parece que não tem fim, ainda por cima em asfalto… Parece que vou terminar a subida, mas não, apenas tenho uma pequena descida de 100 metros, para voltar a subir, a subir, tudo interminável… Finalmente, chego ao cimo da subida e entro na descida em terra batida, que tem um troço com alguma pedra, já com Loja lá ao fundo, em baixo. Recordo-me de que ainda tenho que contornar a cidade e que o que parece perto, torna-se neste caso longínquo mentalmente. Envio mensagem à Susana a avisar que estou a chegar. Desço bem a parte mais técnica e, no fim, paro para responder a uma mensagem. Quando retomo, olho para trás e “vejo” ao fundo um atleta a correr. O meu cérebro simplesmente disparou: “Não é possível! Não vou perder o 4º lugar nos últimos quilómetros da prova, depois de andar sozinho quase 100 kms!”. Se já tinha descido bem a parte técnica, a partir daí foi a loucura até à meta. Já não tinha o Garmin ligado, mas fui seguramente muito próximo de 4’/km até ao final. Nos últimos metros, à minha espera, estavam o Pedro e o Zé, que me acompanharam, enquanto a Susana estava junto à meta. Corto a meta e sem sinais do 5º classificado…

Na chegada, com a Susana, o Pedro e o Zé
O 5º classificado acabou por ser o Miguel, numa excelente prova, apenas a 23 minutos de mim (calculo que tenha sido a ele que os cães ladraram quando saía do abastecimento do km 147). A minha ameaçadora visão, tinha sido apenas isso, uma visão! Para a história, fica a conclusão da prova em 24 horas e 11 minutos, alcançando o 4º lugar.
Relativamente à prova, para o meu gosto pessoal tem demasiado asfalto e não gosto de fazer 2 vezes o mesmo percurso. Como pontos positivos tem a extrema amabilidade dos organizadores e de todos os colaboradores. Está bem marcada, embora os abastecimentos sejam fracos para a distância da prova.
Quanto ao grupo, tornou este fim-de-semana num dos mais memoráveis da minha vida. Tenho a certeza de que estes momentos ficarão comigo por muitos anos e que se transformaram de quase desconhecidos em amigos. Ainda teremos muitas aventuras juntos. Esta camaradagem, foi sem qualquer dúvida, o ponto alto do fim-de-semana.

O brinde com a Michelle, organizadora da prova, antes da despedida

Grande Trail Serra d'Arga

Em plena Serra d'Arga

Desloquei-me a Caminha para a realização da última prova do circuito de ultra trail: o Grande Trail da Serra d’Arga, prova com 45 quilómetros e um desnível positivo de 2.500 m.
As condições climatéricas foram a principal dificuldade da prova, com muita chuva, vento muito forte e nevoeiro que dificultava a navegação, sobretudo nos pontos mais altos da serra. Como sabia à partida as condições que me esperavam, decidi não arriscar muito nesta prova, pois dou-me mal com descidas em pedra molhada. O meu único objectivo seria ajudar a equipa a lutar pelo 1º lugar da classificação do circuito de ultra trail. À partida para a última prova, a que tudo decidiria, estávamos empatados com a excelente equipa Desnível Positivo, que corria “em casa”, local de treino frequente de muitos dos seus atletas. A tarefa apresentava-se muito complicada, mas enquanto existisse a possibilidade de vitória, tudo faríamos para a conquistar.
Início da prova e logo uma subida bastante grande, que faço com conforto, ultrapassando alguns atletas. Chegando ao cimo, estou entre os primeiros 15/20 atletas, mas mal se inicia a descida, começo a ser sistematicamente ultrapassado. Estava dado o mote de toda a prova: conquista de alguns lugares nas subidas, a rolar bem nos raros terrenos planos existentes e perdendo lugares nas descidas. Nessa descida inicial sou ultrapassado por 2 elementos da equipa, o Miguel Baptista e o Bruno Fernandes. Sou agora o terceiro elemento e o que tem a responsabilidade de fechar a equipa, por isso não posso ceder muito. Acabo por ir a par do Germano Capela, que evidencia as mesmas características que eu, resguardando-se nas descidas. Mais à frente, o duo transforma-se em trio, com a junção do Zé Carlos Santos. Vamos progredindo pelas subidas e descidas constantes, fazendo face à intempérie que se abate sobre nós. Nalguns pontos, precisamos de abrandar e procurar as marcações, pois a visibilidade é muito baixa. De uma forma geral, achei que as marcações estavam bem feitas, mas isso não impede que alguns atletas se percam, pois o nevoeiro, a forte chuva e a tecnicidade do terreno não permite que se veja facilmente as referidas marcações.
Entretanto, o Germano fica para trás e regresso ao formato duo, desta vez com o Zé Carlos. Bastante fortes nas subidas, rolando bem onde é possível, mas muito prudentes nas descidas, sobretudo na pedra molhada. O meu objectivo continua a ser chegar ao fim, evitando alguma lesão que pudesse hipotecar as possibilidades da equipa. Vou começando a sentir algum cansaço muscular, mas nada de anormal atendendo aos quilómetros já efectuados e ao desnível que a prova tem. Aproxima-se a última descida, que sei de antemão que é complicada, pois corresponde à primeira subida realizada. A descida é feita sobre pedra cheia de água, que em alguns pontos se transforma num rio. O Zé Carlos desce mais rápido do que eu e ganha-me alguns metros. Num deslize meu, acabo por torcer um pé ao colocá-lo mal num buraco escondido pela muita água que corre. Sinto uma dor intensa, mas que gradualmente vai melhorando, permitindo-me voltar a correr e retomar o caminho da meta.
Chego à meta após 5h29m48s, em 46º lugar da geral. Encontro os meus colegas de equipa e logo ali fico a saber que tínhamos ganho o duelo com o Desnível Positivo. A vitória no circuito era nossa!
Individualmente, terminei o circuito em 18º lugar da geral e em 5º lugar do escalão M40 (dos 40 aos 50 anos). Para o ano procurarei fazer melhor.

Gostei do percurso e da companhia do Zé Carlos, mas gostaria de ter feito a prova noutras condições metereológicas, que permitissem ver a paisagem da serra.

O Mundo da Corrida - Equipa Campeã do Circuito de Ultra Trail

terça-feira, 3 de setembro de 2013

UTMB 2013


O UTMB era a minha prova de sonho. 
Durante muitos anos desejei poder estar presente na partida em Chamonix. Finalmente, em 2013, consegui esse objectivo. Para trás, tinham ficado muitos quilómetros para conquistar os pontos necessários e muitos mais em preparação. Cheguei à partida na minha melhor forma de sempre, para o maior desafio da minha vida desportiva.
A dureza da prova é extrema, com subidas terríveis, seguidas de descidas intermináveis, umas atrás das outras sem espaço e tempo para recuperar. É uma prova em que todos os factores se têm que conjugar favoravelmente para se chegar ao fim.
Comecei a um ritmo tranquilo e fiz a primeira subida dentro da normalidade. Na subida seguinte, ao Col du Bonhomme, a partir dos 1.900 m, comecei a ter dificuldades de adaptação à altitude, que se tornavam muito fortes a partir dos 2.200 m. Dores fortes no peito, algumas tonturas e perda de força nas pernas. Ia sendo ultrapassado por muitos atletas, incluindo no início das descidas. Só quando voltava a descer para os 2.100/2.000 m de altitude é que melhorava e conseguia imprimir um ritmo que me permitia até recuperar algumas das posições perdidas. Na subida ao Col de la Seigne os sintomas ainda agravaram, começando a ficar muito nauseado. A partir desse momento, mal consegui comer. Sabia que era essencial alimentar-me, senão perderia a força, pelo que forcei-me a ingerir, durante 1h10, 3/4 de uma barra energética (foi o possível). Em Courmayeur, encontrei a Glória e o Luís Serrazina e com eles saí do abastecimento. Ainda os acompanhei nos quilómetros iniciais da subida, mas fui gradualmente perdendo o seu rasto. Com a aproximação aos 2.000 m de altitude, os sintomas regressaram, mas desta vez, encontrando-me muito mais debilitado (pela falta de alimento e pelo acumular de quilómetros). No Refúgio Bertone, optei por parar um pouco e procurar recuperar. Quando regressei aos trilhos, senti muito frio (tinha arrefecido completamente), apesar de a temperatura ter subido, pois o dia já tinha nascido. Apercebi-me e reagi a tempo, utilizando toda a roupa que levava. Consegui aquecer, pelo que escapei a ter entrado em hipotermia por muito pouco. Continuava sem força e muito agoniado. Quando cheguei ao refúgio Bonatti, procurei alimentar-me (não consegui) e descansar um pouco. Nova paragem longa. Começo a ter praticamente a certeza de que não estou em condições para chegar ao fim da prova. Prossigo até Arnuva, mas no caminho, para além do estado de fraqueza geral, noto que começo a andar aos “esses”. Estou a mais de 2.000 m de altitude, em trilhos que em média têm 60/80 cm de largura e o risco de uma queda com consequências graves é bem real. Tomo a decisão mais dura possível: a de adiar um sonho, a de abandonar a prova em Arnuva. Nas horas seguintes, nos dias seguintes, regresso a essa decisão vezes e vezes sem conta, e continuo plenamente convencido de que prosseguir teria sido correr um risco enorme para uma probabilidade quase nula de chegar ao fim da prova. Desta vez, a montanha venceu.
Foi uma experiência inacreditável, muito difícil de descrever, o ambiente todo que se vive à volta da prova, o apoio de toda a população da zona, a enorme eficácia de uma máquina organizativa gigantesca, mas muito bem oleada e a montanha… a montanha no seu estado puro, em toda a sua dureza, mas também em toda a sua beleza. Apesar da decepção de não ter chegado ao fim, não deixará de ser o ponto alto da época desportiva. Regressarei! Não sei se já em 2014, se em 2015 ou mais tarde, mas regressarei para novo combate com a montanha. A ideia que tinha antes de lá ter estado, saiu reforçada: esta é a prova em que qualquer ultratrailer deve querer estar na partida. Acabei com quase 100 quilómetros percorridos e mais de 10.000 m de desnível acumulado. O UTMB continua a ser a minha prova de sonho!

Agradeço o enorme apoio que fui recebendo, antes, durante e após a prova. Muito obrigado a todos!


Próximo desafio:  Grande Trail Serra d’Arga 

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

La Tête aux Vents

La Tête aux Vents


Ultrapassando este último obstáculo, apenas nos separarão das emoções da meta, cerca de 11 quilómetros, praticamente sempre a descer. Passaremos por La Flégère e por La Floria até alcançar a meta na praça principal de Chamonix. 


Vallorcine

Vallorcine

Antes de chegar a Vallorcine, atravessaremos novamente uma fronteira, desta vez deixando a Suiça e regressando a França. Vallorcine está situada a 1.260m de altitude e lá chegaremos com 149 quilómetros percorridos. Após Vallorcine, encontra-se a última grande subida, até à altitude de 2.130m, no topo de La Tête aux Vents. O fim aproxima-se rapidamente, mas apenas neste relato. Na prova, prevêem-se grandes dificuldades nesta última ascensão. 

 

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Trient

Trient

De Portalo, desceremos até Trient, perdendo mais de 700 m de altitude, passando La Giète e o Col de la Forclaz. Em Trient, nova barreira horária de 37 horas e 15 minutos. De seguida, nova ascenção até Catogne, em que em 4 quilómetros subiremos mais de 700 m de desnível. Vencendo Catogne, nova descida em direcção a Vallorcine.

Catogne